A nação desconhece o que faz as suas Forças Armadas.

 

O silêncio que atordoa 22 de Dezembro de 2010

Motivos de ordem familiar e de amizade contribuíram para que fosse eu um assíduo usuário da BR-101 Norte. Milhares de vezes tive que me deslocar entre João Pessoa - Mamanguape - Natal.
Lembro com um quê de saudade quando a BR-101 teve seu trecho concluído entre Mamanguape e João Pessoa. O ano era 1970, exatamente quando ingressei na faculdade e, diariamente, percorria aquele trecho. Para mim foi uma dádiva divina, posto que, anteriormente, a viagem entre essas cidades, via Sapé, durava três horas. O tempo passou, ingressei na carreira militar e, em 1982, então 1º tenente, fui movimentado do Rio de Janeiro para Natal e, mais uma vez, a velha BR-101, se mostrou a amiga de sempre.
Na década de 70, viajar na BR-101 era uma maravilha. Pouco trânsito, a viagem fluía maravilhosamente. Na década de 80 ainda podia ser assim considerado. Mas o tempo, inclemente, vai passando e, arrasta com ele grandes mudanças. O progresso, esse grande leviatã, vai, a cada dia, abarrotando as nossas estradas com novos veículos. Com a BR-101 não foi diferente.
De repente me vejo de volta à Natal, mais uma vez vindo do Rio de Janeiro. É 2001. Por imposições diversas me divido entre Natal e João Pessoa. Lá trabalho e aqui vive a minha família, cujo convívio usufruo nos finais de semana. Eis-me, novamente, cliente da BR-101, agora uma senhora alquebrada pelo tempo, cheia de rugas no seu leito, antes tão suave, obrigando o tráfego a escoar lentamente nas suas faixas únicas, como se fosse uma anciã prostrada pela arteriosclerose, onde o sangue escorre pelas veias de forma lenta e perigosa. Nos inícios de noite das sextas-feiras e nas madrugadas das segundas-feiras, horários em que começava meus deslocamentos, eram períodos em que o pico de stress da minha família ia a mil, até que soubesse que eu havia chegado em paz. Inúmeras foram as ocasiões em que presenciei acidentes ferindo e matando dezenas e dezenas de pessoas que, como eu, também usavam a velha BR-101. Em 2006, quando começo a vislumbrar a passagem para a reserva, sou surpreendido pela duplicação. Bem que poderia ter iniciado bem mais cedo, mas, como diz o velho ditado – antes tarde do que nunca.
O tempo, como sempre, não para. É um dia de sábado, início de novembro de 2010. Mais uma vez estou regressando de Natal, vindo de um almoço de confraternização de Oficiais na reserva. O sol do meio-dia está quente, impiedoso. Vejo pessoas envergando o uniforme camuflado. É a nobre Engenharia do EB, a Engenharia de Villagran Cabrita, dando vazão à sua canção, quando diz: “Teu lema é sempre servir”. Essa visão mexeu com o coração do velho soldado.
Na imagem daqueles militares, trabalhando com o sol a pino, em pleno sábado, resumi o trabalho silente dos heróis anônimos que sem buscar outra recompensa que não a consciência do dever cumprido, dão exemplos cotidianos de patriotismo e brasilidade.
São as tripulações dos Navios de Assistência Hospitalar e Navios Patrulha que singram a malha hidroviária da Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense, atendendo ao caboclo ribeirinho, prestando assistência médica, odontológica e laboratorial. São os militares da Fragata Constituição, somente para rememorar o fato recente do acidente do Airbus do vôo AF 447, exemplo emblemático do esforço da MB para a salvaguarda da vida humana no mar.
São os bravos pelotões de fronteira, única manifestação do Estado brasileiro ao longo das nossas fronteiras, onde seus oficiais e graduados, auxiliados pelas destemidas esposas, fazem o papel de médico, juiz e professor; é a Arma Azul-Turqueza construindo barragens e açudes, realizando a transposição do São Francisco e tantas outras obras mais, mitigando a sede do sertanejo nordestino e irrigando o solo seco.
São os bravos tripulantes da FAB, chegando aonde não chega o navio nem a viatura, se constituindo no único apoio para esses brasileiros esquecidos pelos governos na vastidão amazônica. São os membros do Para-Sar que, frequentemente, arriscam a vida em resgates quando de acidentes aéreos.
Esses exemplos acima citados retratam apenas atividades assistenciais, posto que em um país sem guerras formais, a ausência da consciência cívica e da visão estratégica, mesmo nas classes mais favorecidas e intelectualizadas, o preparo militar em stricto sensu não é reconhecido, tampouco desejado.
A nação desconhece o que faz as suas Forças Armadas. Não sabe o esforço ingente das tripulações que cruzam nossos mares, se adestrando continuamente para permitir à Marinha melhor defender nossas vias marítimas, melhor proteger nossas plataformas petrolíferas, inclusive a área do pré-sal. Não há a menor noção das dificuldades inerentes ao treinamento dos Fuzileiros Navais, que enfrentam a adversidade dos ambientes inóspitos, tudo para manter a excelência da sua prontificação.
A população ignora as carências do nosso Exército que, a despeito de tudo, dá soberba prova de competência e operacionalidade, evidenciando o porquê do “Braço Forte e Mão Amiga”. Desconhecem os guerreiros de selva, o combatente da montanha, o aguerrido paraquedista, o médico e o técnico.
O governo, como sempre, vai “empurrando com a barriga” o atendimento às necessidades prementes da FAB, que há muito reclama de aeronaves que lhe permitam ter um poder aéreo compatível com o status e projeção internacional do país ? a aquisição dos novos caças é o melhor exemplo disso. Enquanto isso, nossos pilotos, reconhecidos internacionalmente por sua competência e arrojo, continuam em terra, com a maioria das suas aeronaves “groundeadas”.
Se, como insinua o título de artigo, o dia a dia militar passa despercebido pela maioria dos brasileiros, que nada vê e nada ouve das nossas ações, muito se fala e se escreve quando “a coisa pega”. As ações empreendidas pelas Forças Armadas no recente confronto promovido pelo governo do Rio de Janeiro contra o narcotráfico, de repente se transformaram no xodó da mídia. As imagens dos blindados dos Fuzileiros Navais da MB nos becos e vielas do Morro do Cruzeiro e no Complexo do Alemão, assim como a visão dos combatentes da Brigada Paraquedista cercando os marginais, inundam as telas das nossas TVs várias vezes por dia.
Lamentavelmente, o governo brasileiro é movido a fatos presentes, não buscando uma visão prospectiva firme e responsável sobre o que se deseja para o Brasil hoje e daqui a 20, 50 anos. A Estratégia Nacional de Defesa apesar de completar, em breve, dois anos de criação, ainda está engatinhando em termos de consubstanciação material e organizacional. Compete ao governo assegurar às Forças Armadas as condições necessárias para que elas estejam permanentemente aptas a cumprir sua destinação constitucional, bem como estar capacitadas a atender aos nossos compromissos internacionais, entre os quais ressaltamos a realização de operações de paz. Tais necessidades exigem imediato reaparelhamento das forças, disponibilidade orçamentária que assegure o reequipamento de novos meios, condições para a manutenção dos já existentes e, sobretudo, uma remuneração justa aos seus integrantes, que já não mais aguentam se ver discriminados em relação a outros setores governamentais, inclusive do próprio Poder Executivo.
Temos dado provas irrefutáveis do nosso compromisso com a democracia, com a legalidade e com a nação brasileira. O suor do dia a dia se junta ao sangue dos que pereceram no Haiti (agora já tão esquecidos). Não nos basta somente o reconhecimento como instituição de maior credibilidade. As Forças Armadas precisam e merecem ser reconhecidas como instrumento maior para a garantia da nossa soberania, em condições, concretamente falando, de se constituir um elemento dissuasório, de conformidade com os preceitos constitucionais, assegurando ao Brasil o lugar que lhe é devido no concerto das nações.
Noel Xavier Bustorff
Presidente

P.S. 1 - Lendo essas linhas, o soldado da Engenharia que balizava o trânsito na BR-101, naquela tarde de sábado, talvez entendesse o porquê da caprichada continência que lhe fiz.
P.S. 2 – O trecho paraibano da BR-101 em 1970 também foi construído pelo EB.
                                                                 FONTE: http://www.asmirpb.com.br/

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